quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

DAS DORES


Maria das Dores, aflita, grita, de mãos postas, ajoelhada na margem do córrego seco, ora, implora.
Ontem de manhã teve procissão pra modo da chuva cair, vir trazer água pra o córrego e encher o lago, que não mais águas têm. Levaram o santo, levaram a fé, levaram os baldes, levaram a fome, em procissão foi.
A procissão, seguiu, caminhando os devotos foram cantando canto de lamento. Levaram o santo, também nos ombros,  os descasos dos políticos do lugar estampado nos remendos da alma, da alma do povo.
Padre José foi chorando, limpando o pó do rosto, até o sabiá raiou nervoso no galho da laranjeira seca.
E foi também entoando canto de lamento, foi Das dores. Das dores foi cantando lamento. O lamento do coração aflito, ás águas que caiam era a dor saltando dos olhos; dos olhos de Das Dores.
Mas tanto se vai, tanto se vem, nas procissões que vão aos estradões do sertão.
Mas agora Maria das Dores clama ao Senhor Jesus, conversa com Deus:
- Meu Deus!  
- Por que morreu seco, bebendo o pó do lago seco, nosso boi preto?
- Meu Deus!
- Por que morreu nossa vaca Estrela no salpicado do chão quebrado, por quê?
- O senhor não mandou a chuva.
- Por que meu José? ... Das dores soluça.
- Meu José Ficou a noite abraçado o nosso boi preto, nosso boi preto morto no lago seco.
- Meu Deus... Ele ficou lá, ele, a vaca e boi... Eu orei tanto.
- Emanuel, meu filhinho esta com meu amor, meu José, onde a seca já não mais toca.
- A alegria sumiu, a saracura chorou de dó, o consolo de meu José, foi nosso cachorro caçador olhando o olhar, lambendo a mão do meu amor de olhos tristes, meu José amargou  o pó do nó.
Das Dores esta de joelhos onde no lago, ficou o couro seco do boi preto, da vaca estrela, na margem onde esta  José, perto de onde está Emanuel.
Ontem teve procissão, Das Dores foi cantando canção de lamento.
Foi ela e Laurinha, a filhinha de cabelos de cachos, igual anjo de rostinho sujo. Laurinha foi olhando a nuvenzinha pequena no céu, foi agarrada na saia da mãe.
- Não chora mamãe, não canta triste, papai foi colher água da nuvenzinha no céu.
Mas a procissão segue, a catinga rebenta o olhar dos santos do lugar.
Das Dores esta orando, na margem do lago seco agora, onde ficaram o couro seco do boi preto, da vaca estrela, as lágrimas de José e Emanuel.
A procissão foi ontem, Das Dores esta na margem do lago seco.
Na margem tem também duas cruzes, e Das Dores e Laurinha estão ali. Ali no lago tem a ossada do boi preto, da vaca estrela. Onde tem as cruzes na margem, uma é a de José a outra, é de Emanuel.
Emanuel nasceu miudinho, se alimentou dos seios flácidos e sem alimento de Das Dores, sugava o leite mirrado, sugava a alma da mulher que chorava vendo teu menino judiado.
A chuva não vinha,  sábia raiava no galho da laranjeira seca, os políticos do lugar só aparecem nas eleições, à nuvenzinha é passageira.  Laurinha acredita que o pai foi pra o céu colher água da nuvenzinha.
José enterrou o menino na margem do lago, onde pranteou o boi preto, a vaca estrela e o teu menino. Ele mesmo abriu a cova rasa, na terra dura, quando o céu chora na alma do caboclo.
Sabiá raia nervoso, triste inconformado assistindo Das Dores chorar.

A carga de lamentos tirou também José.  Depois da morte do menino, ele ficava na soleira da porta olhando o sem fim. Laurinha via o pai triste, tocava a mãozinha no rosto de José, e quando via uma nuvenzinha dizia :
- Paizinho, tem uma nuvenzinha no céu, chora não papai, vai ter chuva pra o teu roçado...
José apontava a mão então pra o céu:
- Filhinha dá vontade de voar, ir buscar um teco dágua.
José partiu de olhos abertos, olhando através da janela, uma nuvenzinha que viajava no azul da dor.
Agora Das Dores fala com Deus, na margem do lago seco onde tem a ossada do boi preto, da vaca estrela, onde tem a cruz de Emanuel e a outra do teu amor. É a cruz de José.
O lamento tenta chegar ao céu, o próprio lamento vai chorando. Das Dores cala o olhar, tem Laurinha segurando a saia, tem tantas perguntas que ainda fará pra Deus.
Tem cravado no coração a recordação do Boi Preto, da Vaca Estrela, de Emanuel que desfaleceu e foi pro céu morar, tem as imagens de José pranteando o Boi Preto, Vaca Estrela e o filhinho.
E a chuva que cai, é a chuva do olhar.

Markus Libra

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