quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Mundinho de Raimundo - "O Conto!"



                        MARKUS LIBRA PUBLICOU,
O JORNALISTA E PROFESSOR   ANDRÉ ARRUDA PLÁCIDO COMENTOU:



Markus Libra é um amigo poeta pirajuiense, escritor inteligente, trabalhador, antenado na vida política, esportista. Conhecia Libra havia mais de 25 anos. Mas sua notável capacidade de transformar imagens em palavras conheci há poucos meses. Bela surpresa. Deus coloca nos homens dons e habilidades que encantam outros homens. Deus coloca Sua “imagem e semelhança” nos homens para que eles se comuniquem, se conheçam, se ajudem.
Markus faz tudo isso com propriedade quando nos mostra sua delicadeza no trato com o outro, com o próximo. “Mais um dia de sua vida nua de social, crua de não ter nada” é a radiografia de Raimundo; personagem central de sua obra. Apenas um poeta com a sutileza de Markus para nos formar na mente a imagem em que “os raios dos aros refletiam ao toque do sol”. Apenas um poeta com o entendimento da preservação da vida poderia fotografar em palavras a cena na qual o cão “Fumaça estava garboso com suas orelhas quebradas sobre os olhos”. É justamente esse poeta quem nos ensina a simplicidade do falar com Deus ao descrever a oração de mãe Maria: “Vê a tristeza de meu filho? Vê meu Jesus? Ele tem tão pouco... E ainda lhe é tirado”. Markus é sentimento, coração, transcendência e razão. Libra é carrossel de letras, emoções, imagens e sons.
Markus me faz lembrar Émile Benveniste: “O homem sentiu sempre e os poetas frequentemente cantaram o poder fundador da linguagem, que instaura uma sociedade imaginária, anima as coisas inertes, faz ver o que ainda não existe, traz de volta o que desapareceu.”

André Arruda Plácido é graduado em Relações Públicas, Jornalismo e Teologia. Especialista em Comunicação e Liderança em Missões Mundiais pelo Haggai Institute de Cingapura. É fotógrafo, cronista, radialista, professor da rede pública do Estado de São Paulo e do Seminário Teológico Batista Nacional.


Compre aqui o livro 'Mundinho de Raimundo'


sábado, 17 de novembro de 2012

Pequeno Conto do Velho Manoel




     Do alto do morro, da janela do barraco de lata, ora olhava o céu, outrora os prédios da cidade. Perto do fim da favela, logo ali acima, depois da ultima viela, onde tombou o metalúrgico João de Deus. O velho Manoel ouvia atento, o canto arriscado do sabiá, depois do eco de um tiro de fuzil.
       Sem sair da janela, com os olhos embaçados do tempo, Manoel observava o cheio do vazio, outro tiro de fuzil.  Estalo que ecoa na memória do ancião que fica na janela olhando o começo da viela.  Manoel já não mais se importava em risco de vida. Teus ouvidos ao canto de coragem do sabiá, no resto de mato no alto do morro.
 As tristezas do velho  eram recordações do sorriso matreiro do teu menino, antes de ser calado  no sangue que jorrou, do balaço no peito de Zezinho.
Da mesma janela, Manoel sempre o esperava  chegar da escola, correndo, sorrindo, prestes a mostrar ao velho seus cadernos.
- Vovô, vovô... O velho deixava sua janela, abraçava o garoto na porta, os dois se sentavam na soleira, e juntos iam vendo os novos traços, as paisagens de esperança que surgiam nos riscados do teu menino artista.  
Manoel notou certa vez, ele mesmo na tela retratado, debruçado na janela e o sabiá no teu ombro cantando.
Mas tudo ficou cinza, na dor que não rompe com o tempo, e o menino nunca mais surgiu correndo, não corre mais, nem joga bola na viela, nem sonha ser pintor de tela, não tem abraço na chegada. Choro de ancião é mais doído, que choro de criança pedindo mãe.
Da janela ele olha a multidão, tem jornal, televisão. Um corpinho miúdo jogado ali no chão.   Manoel recorda triste dos dias que tua alegria era à felicidade no sonho do seu menino ser pintor.   Zezinho que sorria sem ter paz, andava pela favela, entre as vielas, tendo que se fazer entender aos marginais:
- Não quero droga não, Pai Manoel disse que vou ser estudado, vou ser pintor de quadros, artista plástico. 
-  Já até pintei a minha triste favela, nem quero ficar doidão igual Zé Bola, que louco de crack acabou na prisão.    Às vezes vinha o camburão, daí o menino tinha que explicar que não é marginal, mas mora na favela.   
O velho Manoel sempre diz que ali tem um tanto de gente trabalhadora, tem o pastor Vicente também, que fala de Jesus pra traficantes e drogados, dedica-se a tirar as meninas da prostituição infantil.  E foi da prostituição que Sara saiu, é assistente social e agora ajuda o pastor nos projetos, comunitários, mas trabalhos comunitários incomodam os políticos e os bandidos. Gente culta fica longe de do mundo marginal, aprende a votar em gente decente.  
Teve consequência amar a Deus e politizar os carentes.  
E certa feita, Zezinho pintou um quadro de dor quando o pastor Vicente chorou na sarjeta, quando de tanto orar, teus joelhos sangravam e teu filhinho não foi poupado de chacina.
 No quadro que Zezinho pintou numa tela de fundo azul céu, havia o pastor transfigurado de dor e, Jesus embalando teu filhinho no colo.  Havia também no mesmo quadro a esposa do pastor que na morte do filhinho enlouquecida blasfemava ao pobre homem de Deus:
 - Onde está o teu Deus? Onde está?  Que não livrou nosso filhinho. E o pastor de rosto em terra e sem saber explicar lavava as lágrima do rosto com lama de enxurrada.    Mas Zezinho notou Jesus com os olhos miúdos embalando o Filhinho de Vicente. 
Mesmo até Jesus na paisagem chorava.
Mas agora veio o camburão da polícia militar e o menino tem que se explicar, o menino que é pintor de telas e que vê Jesus embalar os anjos da favela.
O menino se explica:
- Seu polícia sou neto de Manoel, ele que cuida de mim, papai morreu de balaço, mamãe enlouqueceu de crack, não bate não, estou estudando, vou ser pintor de quadros, já até pintei teu camburão descendo a triste favela. 
- Vovô só tem a mim agora, papai tombou de balaço, foi confundido com marginal, mamãe enlouqueceu na misere, vive por ai e chega tagarelando, que não conseguiu emprego e acho que esta ficando louca, perdeu os dentes, tomou um soco de um vagabundo, no ponto da prostituição, agora todo dia a vejo no quintal, tentando recolocar os dentes no lugar, ficou louca.
- O Senhor tem a mãe louca, seu soldado?  Deixa-me ir, voar meu sonho de ser pintor de quadros.
Mas Manoel tem na memória o dia que os homens de farda chegaram, entraram no seu barraco, pegaram o menino, foram logo fazendo perguntas, queria saber de sei lá, coisas roubadas, informações de pontos de drogas.
Agora o menino tem que se explicar aos homens da lei, novamente.   E o menino dizia chorando:
- Seu polícia, bate não, to estudando... (soluçava e apanhava)
- Uso drogas não, vou ser pintor de quadros, já até pintei a minha triste favela.
Nesse dia Manoel ficou furioso, vendo o menino apanhar, o velho se zangou, tuas mãos tremias e as lágrimas saltaram dos olhos, a alma saltava do peito.    Manoel pegou a telas que o menino pintou, nela estava retratado ele na janela e a triste favela, mostrou aos polícias.
Era arte perfeita, na imperfeição de serem crianças sorrindo no inferno.  Tinha dentre o cenário a viatura da PM, uma criança colocando uma flor no cano do fuzil do soldado.
O soldado era Soares, que também foi morador do lugar e sabe como é a vida aos que nascem em favelas. Com choro incontido, o menino detalhou tua pintura:
A gotícula pequenina, agora era rebento, nos olhos daquele homem que vive entre a profissão, o amor e o ódio. Na tela, era Soares, o soldado que empunhava o fuzil, que na gravura era municiado com uma rosa em botão.  A criança que colocava a flor no cano do fuzil, era Laurinha que parecia anjo de cabelos de cachos dourados.
   A pequenina maninha do soldado, que todas as tardes o esperava no portão, pra correr e saltar no seu abraço.  Soares não se conteve, caiu de rosto no pó, agora, o gigante é pequeno, de olhos miúdos, incontido em dor de alma.
 Laurinha foi vitima de bala perdida, tiro de fuzil, semelhante aos que a PM utiliza nas ações nos morros quando em troca de tiro, no combate ao tráfico.
Foi cena que o Velho Manoel gravou.
Mas agora, seu menino não sobe mais a rua do morro, nem pinta a triste favela. Foi pra o céu morar, cirandar com Laurinha nos braços de Cristo.
O Balaço vazou a mochila, atravessou o peito do menino. As folhas de pinturas de aquarela se espalharam pela viela.
Em baixo da Janela o netinho de Manoel tombou, e o vento foi levando as folhas e suas imagens.  Imagens que ele pintou no aprendizado no projeto da escola.
Entre tantas realidades em retrato de aquarela, o rosto de Soares, a boneca de Laurinha. O sorriso terror do chefe do tráfico, o sonho do amiguinho que ia ser jogador. O retrato do mar, o sol nascendo na distancia.   E na janela olhando o sem fim, retratado o velho cansado Manoel. Que da janela ficava recordando.  No longe mais um tiro de fuzil.
No resto do mato do alto, o sabiá arrisca um canto.



Markus Libra 












quinta-feira, 15 de novembro de 2012

CÁRCERE DE JOSÉ




         Depois do voto, ele foi pra casa, pegou os cinquenta reais, dinheiro sujo que recebeu, pra votar num verme da politiqueira imunda.  Chegou à tua casa, olhou de cabeça baixa pra Maria das Dores, a dor fincada na alma de um homem que sempre foi limpo.  Ele que dizia todos os dias ao filhinho, que homem tem ter dignidade.    Pegou os cinquenta reais olhou pra o teu menino:
         - Hoje não vai ficar com fome filho, busca leite e, traz pão.    O menino foi feliz buscar o leite e o pão.  Retornou logo, sentou-se à mesa, o menino, o pai e a mãe.
         O menino curioso estava feliz, mesmo que ainda desnutrido, mesmo que ainda o pão e o leite não fosse suficiente, e sorrindo perguntou ao velho pai:
        - Pai, arrumou emprego?
        - Amanhã vai ter leite novamente?  O pai não respondeu, ficou calado no mundo dele.   José desonrou seu ser, sente-se envergonhado, mas  precisava do dinheiro.
        José havia ouvido dizer na cidade que nas eleições se ganha pra votar.  O homem estava revoltado, tantos anos tentando eleger o Senhor Aparecido, que ajuda na comunidade, faz projetos sociais, ajuda as pessoas, e nunca se elege.     Além de não se eleger, não compra votos.   
       José sabe que é por isso que o Senhor Aparecido não se elege, então não vem emprego, nem bons projetos sociais, porque pessoas como o Senhor Aparecido, quando se elege é apenas um,  no meio de tantos lobos.
       Mas o dinheiro sujo que veio da mão suja do político imundo acabou logo.  José desempregado lembrou-se do vereador que o comprou com cinquenta reais.  
       E lá foi José pedir pra o agora vereador eleito, arrumar um emprego, quem sabe varrer ou capinar um quintal, que fosse tirar as folhas secas do imenso jardim do digníssimo, mas o vereador, sorrindo disse:
       - Um homem que se vende!
       - Como haveria de ser um empregado de confiança?   Sorriu e dispensou o coitado do José. 
       José tentou argumentar:
       - Me ajuda senhor, meu filhinho tem fome, minha esposa esta triste e chorosa.
     - Meu menino não esta bem, por favor. Continuo José argumentando entre soluço e lágrimas. Agora um homem sem honra e humilhado.    
      José, até pensou em ir pedir auxilio pra o Senhor Aparecido, mas bateu dor tremenda, dor que somente quem é honesto sente, quando comete um erro, a dor do arrependimento, da culpa.  José sentiu que traiu o amigo Aparecido, que é honesto, que ama a comunidade e é padrinho de batismo do teu filhinho.
       José voltou pra casa, descorçoado e, desabou na tua cama com os pensamentos virando no espaço da tua alma.  Abraçou tua Maria e os dois soluçaram noite toda, e como pedir auxilio a Deus, depois de ato desonesto, com os ombros pesados de condenação.
       A luz da lua entrou pela fresta da parede de tabua, mas logo veio uma nuvem e a cobriu, e José ficou mais triste:
        - Maria, até a lua se esconde de mim, veja a escuridão do nosso lar.   Jose amargurado.
        Na dificuldade da tua vida,  teu filhinho adoeceu e ele José, levou teu filho ao pronto socorro, não havia médicos no plantão, ali uma fila enorme e pessoas agoniadas, doentes e dores.  
        O filhinho de José, já estava debilitado pela  fome, sem medico o menino não foi atendido.  
           - Meu Deus, salva meu filhinho. José implorou a Jesus.
         - A febre é alta, ajuda meu Deus, meu Deus.   José olhava teu menino, envolto nos teus braços, a mãozinha do filhinho agora enxugava a lágrima do  pai.
        - Pai, pai... A voz sumida...
        - Não chora meu... Paizinho...  Amo... Meu paizinho...   A mãozinha pequena colheu das lágrimas de José, e desfaleceu em mãos postas...
        José gritou no mais alto do teu ser. Seu filhinho expirou, depois de que, por horas a ambulância que levaria teu menino pra outra cidade, não apareceu.  
        José pegou o menino no colo e foi-se pelas ruas, pessoas iam atrás, seguindo de longe.
        - Meu Deus, Jesus, Maria!    Jose gritava cada vez mais alto, chamando tua Maria, José chegou à sua casa com teu menino sem vida no colo e, banhado de lágrimas.   Sua esposa, Maria das Dores desesperou,chorou vendo teu filhinho nos braços de José.
        - Filho, meu menino, acorda, acorda. Silêncio
        - Ele esta dormindo, não esta José? José descabelava, batendo teu próprio rosto.
        - Que há, sou eu filhinho, olha pra mim, sou eu, tua mãe, a mamãe.     É a dor de Maria das dores.   (Você que é eleitor, entende as dores de uma Maria das Dores?).
       - Maria, ele, ele não vai mais falar com você, Jesus o levou, pra o céu. Tornou José, tocando suave o rosto da esposa, mas Maria perdeu o juízo.
         Maria rolou no chão, fazendo de lágrimas e pó, lama.     E atravessou a noite, o casal chorando sobre o menino sem vida.   E nem dinheiro pra o funeral do menino tinham, e José de manhãzinha, foi de alma partida na assistente social pedir ajuda pra enterrar o menino.  
        A assistente explicou que não havia verba, e não poderia ajudar.   José gritou, desacatou a funcionária do lugar e foi preso.   
        Maria ficou lá com o corpo do teu menino, José preso nas grades da tua atitude, encarcerado na tua consciência.   
       Mas os vizinhos deram um jeito, chamou o Senhor aparecido, o homem que não teve mais que trinta votos, e o corpinho do menino foi velado e enterrado, o pai não pode dar adeus a teu filhinho, a mãe não teve o abraço do esposo como consolo e afeto. E o vereador que comprou voto, estava longe com teus filhos sadios brincando no litoral baiano.
        Outros também venderam seus votos, mas cada história é uma, muitos se venderam por cinquentão, outros por cem reais. Pra uns o dinheiro sujo, não    afetou em nada, pois são eleitores sujos.    
         O dinheiro de cada um teve um destino diferente; virou cervejada, churrasco, farra e tantos outros destinos.      Pra alguns era mesmo pra matar a fome da família.      Pra José foi pior, custou humilhação, dor, a falta de médico que salvaria teu filho, a falta de ambulância, a dor da esposa, a traição de um homem de bem, a vergonha de se deixar corromper, a dor de perder um filho, e ele, José na prisão; atrás das grades que agora encarcera tua consciência, a condenação do teu caráter.
        Na cela escura, quando tudo é só, quando não há mais o que dizer ou se justificar. Deus triste na morada celestial observa seus filhos corruptíveis.
          Ainda homem como José,  Deus acalanta, mas mostra o erro, isso vem com dor.   Não de Deus, mas de homens e mulheres que vendem e se vendem, que vendem teus filhos e filhas.   Que no dinheiro sujo da poliqueira se prostituem, se tornam cúmplices da prostituição infantil, da falta de médicos nos plantões, das mortes nos corredores dos hospitais, da droga do ensino público, do encher das cadeias, cúmplices também dos bandidos fora das cadeias, até mesmo são cúmplices da queda da honra de José.
          Maria agora está só no barraco de tabua e lata, a noite veio rapidamente, a lua surgiu no céu, à claridade vazou na fresta da tabua, encontrou o rosto banhado de Das Dores Ao lado, onde é o lugar de José se deitar, apenas um nada, um vazio,  soluço, e lamentos...
           E José no cárcere, deitado no chão frio:
         - Jesus, meu Deus, cuida do meu filhinho, quem sabe ai no céu, um pouquinho, um tantinho só, de leite e mel.

Markus Libra.   16/10/2012





Na política, joguei a toalha... entende?


 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

SOMAS DE PEDRO CARABINA


     Meu velho era assim.  Ele ficava na mesa riscando papeis, coisas lá do seu tempo, da tua alma, traçado espírito da lida do campo.  Vezes tantas folheava os livros que havia numa estante na sala de estar. Na sala de estar onde fica a mesa que ele ficava.
    Folheava  livros que comprou aos montes pra que seus seis filhos se tornassem amantes da literatura, e pudessem apanhar o sol, ou quem sabe alçar voo além dos contos de fábulas ou, da vida dura da lida do campo.
     Os livros que ele folheava, compunha soneto dos teus sonhos, eram tantos, numa época que escolas eram pra brancos e ricos.   Mesmo as escolas públicas eram separadas por classes sociais. 
     Na minha época era assim e era aqui, mas ele ficava naquela mesa, riscando, traçando, somando.  Certa vez ele desenhou uma flor em rabiscos perdidos no final de uma soma. Tuas mãos eram tremulas do reumatismo, do trabalho no tempo em que roça escravizava. 
      Então com o reumatismo, afastado, e com a aposentadoria que não vinha. É que trabalhadores antigos quase sempre não tinham carteira assinada. Mas ele ficava somando.
    Um dia ele me mostrou as mãos calosas, tremulas dos mais de quarenta anos trabalhados, me dizendo que mostrou La pra o seu doutor, me disse chorando que era prova dos anos trabalhados. Ele apresentou as mãos cansadas, marcadas de calos, tremulas e doída de reumatismo pra o senhor Doutor do INSS.   Você entendeu o que meu velho quis dizer pra o senhor doutor do INSS?
     Ele, na tua leitura pouca, era o rei dos cálculos.  Se eu fosse escrever um conto, não saberia muito que dizer de um homem que somava, depois assinava, no treinado e repetido nome.
     Mas, o que mais intrigava era um homem de sessenta e quatro anos desenhando flores, somando e praticando uma rubrica melhor.
     Uma flor sozinha no vazio do papel, depois de somas extensas, sempre aquelas continhas tipo quarta série.
     E de somas tantas, ele desenhava também um sol, um pássaro, no canto do papel, desses que se faz à ponta de lápis. Todos os dias, somava repetidamente. Dia e noite, pra só depois assinar tua arte, a felicidade de saber somar e riscar o sol no canto do papel.
     Não notei aquele homem com envelhecimento precoce da lida do campo, no aprendizado do tempo, o homem que se perdia nos próprios  sonhos. 
        Ele que não pode estar presente na formatura da  minha irmã, que  concluiu o sonho dele, ser doutora. Talvez seja a flor que ele desenhou.
          
         Às vezes, nas madrugadas ele tombava teu rosto sobre os papeis, dormia ali, sobre páginas de um caderno velho. Notavam-se as folhas molhadas de um choro silencioso.  E sob as lágrimas as somas tantas, a flor, o sol, o pássaro. Quase sempre igual.
     
       O tempo veio rápido, veloz. Engoliu aquele homem, lágrimas tantas; aquele mesmo homem, que por anos ficou naquela mesa, vestido na tua blusa verde. Sentado a mesa, somando, projetando sonhos pra tua família, aos sessenta e tantos. Mas no lugar do chapéu panamá, um gorro...
      Antes da blusa verde e do gorro, ele trajava uma camisa azul céu aberta no peito, quando triste montava seu cavalo baio, a camisa aberta no peito e o chapéu ele agitava no espaço e ia chorar lá no alto do vasto pasto verde.  Mas veio o tempo, e os sonhos ainda não aconteceram, e os olhos cor de mel marejavam, os os filhos a causa da sua luta, e a sua luta na soma ....
     Meu velho era assim, sonhava algo bom pra os filhos. Tempo todo, dia todo. Agora a mesa esta vazia.
    Depois de tanto tempo, às vezes deito e fico olhando o teto. As somas giram no espaço, como no alagado do papel das somas simples.
- mercearia, tanto.
- escola dos meninos – tanto
- reforma da casa – tanto
- chitão – tanto... Chitão é tecido.
- isso, aquilo tanto.
- luz, água, isso, aquilo é igual a tanto...
- e pára os livros, era como que engasgasse com sangue, nunca tinha, pra faculdade, nunca tinha, pra ver teus filhos subindo pódios...   
     "Subimos pai, você entende daí onde esta?"  Até publiquei um livro pequeno.
       
     O resultado era sempre no vermelho, e era necessário inventar algo, criar uma alternativa pra ganhar mais, mas como?  No reumatismo, na idade a surrada da luta vã, dos sonhos esfaqueando a alma.
     Varias páginas, vários anos, as mesmas coisas, o reumatismo aumentando, as debilidades, voltou a fumar. O cigarro maldito agora era companheiro do fim da vida.
    
       Meu Deus! E a flor, e o sol, e o pássaro?  E as somas... As continhas tipo quarta serie.
     O quanto ele ganhou trabalhando durante anos, ele somou, estava tudo lá. Registrado. Até a indenização que recebeu quando foi demitido depois de vários anos trabalhando numa fazenda.
        E ele somou, também a despedida que fez ao teu cavalo baio.  Vimos ele abraçado ao cavalo chorando. Enquanto Lobo, lambia sua mão. Ele somou tudo, somou o que precisava pra alugar um pasto e buscar teu cavalo. O tempo passou e nunca sobrou pra buscar o baio, mas ficou somado. 
       O dinheiro da indenização que recebeu, foi pra poupança e o governo confiscou. Ele somou e fez a subtração de uma vida que se perde em segundos.
     Páginas e páginas fechadas no vermelho, mas tinha a flor, tinha o sol. Tinha o sol e a rubrica. E as marcas das lágrimas no caderno.
     Depois que adoeceu sem grana, foram-se os amigos. Até isso ele somou.
     E eu, sonhei certo dia. Havia uma soma.  Soma de coisas boas. E era ele que somava e sorria. Estava feliz. E Gritando. “Obrigado Jesus!”.
     Era a lógica das tuas somas, da soma da tua vida. De tudo que se dedicou. Claro, a lógica de pai que viveu pela tua família. Soma de amor e dedicação aos filhos. Que mesmo que a soma dos números fosse negativo o resultado era amor, de um algo bom, que ama e ama.
    Coisas de um homem preocupado com o futuro dos teus filhos.  
    E vi que resultado da soma, ele simplesmente queria que fosse igual a uma flor, essa flor igual a uma vida melhor pra mamãe, só pra vê-la sorrindo. Notei que o tecido de chitão que ficou em todas as paginas era o vestido que ele nunca conseguiu dar pra mamãe. Só um vestido apenas. Chitão apenas.
    Senhor! Meu Deus... O sol. O sol era o resultado de dias mais calmos sobre nós, com filhos mais cultos, além do seu tempo.
   E o voo do pássaro fosse os filhos conquistando horizontes, formados quem sabe numa faculdade. Voando um vôo bonito como de um condor.
    Era o resultado que ele queria.
    E interessante, àquele velho na soma da minha vida. Um herói na soma dos anos. De luta, dignidade. Honestidade, isso o matou, gente honesta neste país até morre ou se mata de depressões profundas, por não saber jogar o jogo.
    É que nunca imaginei que na soma da luta de um velho pai, o resultado seria uma flor.

Markus Libra

domingo, 11 de novembro de 2012

NA VOZ DO VENTO.


DEUS NÃO ESCOLHE LUGAR PRA FALAR.

NO FINADOS DE 2012 – POR MARKUS LIBRA

         1985, ao som do clarim, o toque de silêncio rompeu o fio que separa da vida a morte, ou talvez fosse, minha alma juvenil que, quem sabe entendesse o vento dizendo adeus.  
     E as palavras poética do meu primo em homenagem ao nosso mestre Leal, nosso avó Leal.  
     Mestres, sábios, surgem em nossos caminhos e não atentamos em nossa medíocre  inteligência.     
     E quantos mestres perdemos, sem ao menos dizer obrigado pelas bênçãos de conselhos tantos.

     E o espírito do meu avô Leal soprando no meu ouvido:
     - Não chore mais, que o vento esta me chamando.  E o clarim silenciou e, o poeta calou-se.
     
     Quando era criança, cria que Deus falava na voz do vento.   E num repente, viajei e encontrei meu avô, meu sábio mestre, sentado na cadeira de varanda, com seu terno cinza claro, uma história e teu sorriso genial.     Quando não, uma palavra tirada da experiência dos anos, e um cruzeiro pra levar pra escola.  
     
     E a urna com seu corpo ficou no campo santo.  E eu disse a mim, que não pisaria mais o solo onde encontra os restos mortais de nossos entes. Acho que foi  porque eu não soube o que fazer, com a dor do meu peito.  
     Passou, e  um dia eu voltei ali, muito rapidamente, não que os anos fossem instantâneo, acho que a gente não nota o passar dos anos.   

      E alguns anos depois, fugi do velório do meu velho Pedro, e corri pra o lugar mais alto de Pirajuí, onde numa vastidão verde descampado eu pudesse ouvir o vento, e pensar que nele, no vento, meu pai estaria galopando um baio espiritual.   E sentei no gramado intenso, e o vi galopando um baio, a camisa azul aberta no peito, uma mão na rédea e outra agitando o chapéu, e ele passou veloz e o sorriso estampado no rosto e,  eu sorri entre lágrimas tantas.    Mas ainda assim fui ver a cova aberta, e fiquei meio que de longe, e vi descer a urna e, minha mente esperando o vento que passou no dia que ouvi meu avô soprando no meu ouvido:
      - Não chore mais que o vento esta me chamando.   Mas agora não havia mais o toque de clarim, e o único poeta ali, era eu calado, sem fazer homenagem ao herói.   Mas emprestei o toque de clarim do outro tempo e daí, ouvi na voz do vento:
      - Não chores mais, que o vento esta me chamando, estou indo selar meu baio.      Foram-se acho que dezoito anos e, nunca mais havia entrado no campo santo, nem ido a velórios, salvo uma vez na despedida da minha Bisa, mas eu mesmo nem iria, foi só pra evitar falação.   Preferi voltar pra o meu quarto e sentir no vento que entrava pela janela, e trazia o aroma bom dos bolinhos de chuva, aqueles que minha Bisa preparava no café da tarde.   
      Mas nesse dia de finados, do nada, estava eu la, perdido no cemitério da cidade, e filmes passando na minha cabeça, e nem o tumulo do meu velho eu achei.    Mas sentei perto de onde eu achava que era, e o mormaço queimando meu rosto, e eu olhando pra dentro de mim, vendo o baio galopando e ouvindo a voz no vento.   Ali estive por mais de hora, tentando imaginar o roteiro que foi a vida do meu velho, nunca entendi muito porque nos prendemos aos mortos.   Talvez por não tiver valorizado em vida a vida, mas sai e fui andando, vendo as pessoas. E nas pessoas, as saudades, as lembranças, pessoas de olhos molhados, talvez aguardando a voz no vento pronunciar algo, como:
-  Não chores mamãe, o vento esta me chamando, que Cristo chamando pra cirandar. Ou ainda quem sabe:
 - Filho meu, estou daqui cuidando de você ai. 

   Não andei rápido, como ando normalmente, nem tive pressa de sair dali e, quando notei uma mulher me chamando, era a mãe do meu sobrinho do qual ao velório eu não havia estado, tamanha era a dor.     Não a dor da morte, mas a dor de não estar presente em vida.   A gente se ausenta, ausência dói depois, quando nós mesmos não temos a presença.    E ela pendurou-se no meu pescoço, colocou o rosto pequeno no meu peito, e disse:
 - Quer ver onde esta o meu menino?   E eu quis ouvir a voz que vem no vento, dizer:
 - Não chores o vento esta me chamando.   Quis que ela ouvisse também, mas a voz de Deus não entra onde há ódio e magoas e desejos de vingança, eu acho.  Mas confesso, eu chorei vendo aquela mulher chorar, diante de um tumulo de piso ou azulejos, sei lá, de cor escura.   Infinitas flores multicores, e vasinhos coloridos de tons Pink, lilás e outros sutis.  E ela disse justo pra mim:
   - Olha Marquinho, aqui neste relevo, quero que você faça uma mensagem, escreve do teu jeito, uma homenagem.   Pra que escrever pra os mortos? Pra ela importa,  é o filho dela, o fruto dela, foi nascido dela.   
        Eu que sempre achei estranho homenagear mortos.  Mas é importante pra ela.   Mas eu não sei escrever, mas pensei rapidamente num salmo, ou sei lá.   Não sei escrever coisas assim.   Nem mesmo sei se sei existir, tantas são as dores que também causamos no caminho.    Ela molhou meu ombro, e falava do assassino do filho, se perguntava, onde estava o algoz, e eu me perguntava:   Onde nós estávamos? Sou o tio que podia aconselhar, ela a mãe, e o pai dele onde estava?      E os avós, onde estavam?  De repente o algoz é mesmo o culpado, e nós somos o que?     Hoje achamos tudo normal, e porque não é mais normal levar os filhos pequenos na igreja?   Ensinar a ler a bíblia, brincar de carrinho no quintal de terra, porque não é normal?   E a merda do conselho bom, que a gente sopra nos ouvidos dos filhinhos desde o embalar no colo, onde estava?       Que merda é essa?    Você entende o que?       Que entendo eu?       E a gente chora por filhos, e um dia na igreja imaginei, que Deus deve de ser triste por demais, tantos filhos morrendo, matando, fazendo guerra.  Que droga!  Meu Deus é tão triste.     Não sou exemplo, nunca fui, nem sei se quero ser.    Gostaria sim, mas não sei.  Mas sei que é mais difícil morrer matado onde Deus habita, ou dentro da igreja, ou no curso bíblico, ao redor da mesa reunido com a família onde a embriagues são de bênçãos do Senhor meu Deus.   O mal é sutil, vem pra matar, roubar e destruir.   A gente não nota, quando o mal entra na tua casa e você acha bonitinho teu filhinho ou filhinha dançando funk, ou quando permite crianças vendo as bestialidades dos BBBs da vida, ou novelas.    Deixa isso, não sou pastou ou padre.

      Logo sei lá do nada, estava sentado no banquinho de mármore que meu primo mandou colocar junto ao tumulo do meu avô Leal, e fiquei ali, mais que horas, vendo as pessoas, vendo a saudade, às vezes vinham lembranças que me faziam sorrir e as lágrimas molhavam meu rosto.  Ouvi o clarim de 1985, meu primo declarando poesia no dia do enterro do meu avô Leal.    Vi meu avô sorrindo e compreendi a voz do vento dizendo:
- Não chores, que o vento esta me chamando.  Desta feita, a voz do vento continuou:
- Há uma luz bonita, o vento suave que diz vem, é Cristo.    Atentando aos homens de boas obras.   Daí percebi mesmo, que o banco de mármore junto ao tumulo é pra refletir, sobre você e os homens, sobre Deus e os homens, sobre você e Deus, nesta passagem tão rápida, chamada “vida!”.   É que não se pode perder a percepção de Deus, o elo.     É que se você tiver um elo que te prenda a Deus e a vida, você será daí, livre no próprio Deus que se prendeu e, será vida na morte.   Então tem ali aquele pequeno banco de mármore.        E minhas costas queimaram na meditação do meu eu. 
     No dia de finados, o primeiro tumulo que visitei foi da minha tia Elisa, meu pai a chamava carinhosamente de Fia, era como santa em vida, linda por de mais da conta na sua inocência, já de alma impar.   Ela tinha, me recordo deficiência, parece que caiu e bateu a cabeça quando criança ficou sequela.    Quando eu era bem pequenino a via andando pelo quintal da casa da avó Césa, sorrindo e às vezes, batia palmas, às vezes a via estendendo a mão pra uma laranja ou se encantando com passarinhos.    Vi algumas vezes meu pai chorando com ela recostada teu peito, com ela abraçada, o rosto pequeno dela no ombro largo dele.  Mas tem a foto dela La, no mesmo tumulo também a foto do meu avô João e os dois foram colocados sob a sombra daquela árvore grande perto do muro do campo santo.   Fiquei ali, ali não tem banco de mármore pra sentar e meditar, mas tem a sombra fresca da arvore.                
        Meu pai chamava meu avô carinhosamente de: “PAI”, mas era um chamar diferente, saia da fala como olhar molhado, meu avô era da roça, no tempo que roça fazia dos homens escravos.    E meu pai, era sonhador e tinhas os pais bem pobres e tua família também.  E cuidava de todos.   E se não podia oferecer uma vida calma na sombra boa, então descansou seus entes na sombra linda da árvore linda do campo santo.     E eu nem tinha mais a feição de vovô na mente, mas me veio, e veio toda aquela vida que pouco vi, era eu criança quando avô João e Fia partiram.  E eu fiquei naquela sombra meditando.    Sobre mim e os homens, os homens e Deus, eu e Deus e, os homens.  E meditei a família.  E pensei que aquela sombra grande que meu pai escolheu pra colocar a mãezinha, o paizinho e a irmãzinha dele, parecia a arvore grande que havia logo próximo da porta quando morávamos na fazenda, como a arvore que meu avô João sentava sob a sombra,  pra pitar seu pito, como a arvore em que a minha tia se encantava com passarinhos.  E meus olhos se encheram, e o vento soprou morno e a voz do vento veio dizer:
- Não chora.  Deus veio na voz do vento, e continuou.
- A irmãzinha do teu velho pai sempre é embalada nos braços de Cristo, até teu priminho brinca com ela, teu avozinho descansa numa árvore grande próximo a um grande lago azul no céu, onde moram os homens que construíram famílias honradas com filhos honestos focados em Cristo.
   E ali na sombra da árvore junto com meu avô e minha tia esta minha avó Césa. Inclusive escrevi um conto que cito o nome dela.
Do outro lado, onde tem o banco de mármore, com meu outro o avô, nosso Leal, tem minha Bisa e o banco esta também, que meu primo colocou pra gente meditar e descansar, na verdade era pra minha Bisa sentar-se quando em vida, ela  ia La no tumulo do meu avô, mas com certeza o poeta pensou no meditar.    La do outro lado perto do muro tem a sombra da arvore, sobre meu avô João, avó Césa e Fia, também pra gente meditar e descansar.   Até acho que deveriam plantar muitas arvores dentro do cemitério, e colocarem bancos, mais bancos, muitos bancos pra gente meditar.   E meu pai foi colocado La no sol, como o sol que bronzeou teu rosto por anos e anos na vida da roça, como o sol que marcou e envelheceu teu corpo de lutar pelos filhos e teus pais de origem muito pobre.   Como o sol que trazia marcas de preocupação nos tempos de seca, quando a semente geme no chão ao nascer.  Mas nascia como a preocupação de amor tentando mostrar horizontes aos filhos, ou de se preocupar em encontrar uma sombra pra o descanso dos teus queridos.
   E ouso o som do clarim, e o recital do meu primo pra meu avô Leal.  E o vento que vem sempre soprar palavras de Cristo aos nossos ouvidos, vezes tantas não ouvimos.    E até Cristo chorou ao saber da morte de Lázaro.  Aquele que é vida, também chorou.    E quantas vezes minha garganta sangrou.  
      E sai por lá num repente, tenho amigos, senti saudades, o Toninho que ia comprar o corcel 73 pra gente ir pra praia, num tempo que a gente nem podia compra bicicleta, o Rogério. Arrisquei achar os túmulos, ver uma foto, sei La.    Vinte anos que não entrava ali.   É que na vida a gente talvez não tenha dado muita importância à vida, as pessoas e até aos bichos.   Lembrei-me daquele menino que morreu junto com o Rogério, acidente de moto, a mãezinha dele, nem roupa tinha pra ir ao velório, daí ficou velado na casa dela, La na vila Abel, ela ficou acenando do portão, quando ele foi.
      Sei lá, mas tem a sombra pra meditar e falar com Deus, sobre o que temos feito da vida.   Queremos carrões, casas, faculdades, dinheiro, sexo. E a vida, o amor, o sentar e conversar?    Nunca imaginei que fosse ao cemitério que Deus ia falar comigo.    Eu que achava o bando de imbecis visitando mortos.   Um dia Cristo disse: - Deixai que os mortos enterrem teus mortos e siga-me.    Mas tem toda uma história ali, tem o que era o ontem dos nossos queridos e o quanto aprendemos e  erramos, o que éramos e o que somos.  E o que somos?

     E num canto na minha visão ali, vi aquele lado depois do tumulo do Francesco, acho que ali é para os mais paupérrimos e indigentes.       Tantas pequeninas cruzes de ferro e enferrujada, vi uma mulher andando ali de um lado pra outro, com varias flores num feixe só.    Parecia procurar ali um ente querido, talvez o filhinho ou o esposo, ou o pai, talvez a mãe.  Mas ali tudo é estranho, o descaso.  Parei, queria ir La, mas não fui, perguntar algo, ela estava aflita, já de idade, não localizava ou não lembrava.  Colocava a mão no rosto, nos cabelos, limpava os olhos. Jesus, que dor!     Daí veio o vento, pedi a Deus:
- Voz do vento, fale com ela, por favor, mostra o que ela procura.   Não sei quantas cruzes tinha ali, eu não sei.    Nem sei o quanto minhas atitudes são rudes e minha solidariedade é nada.   E o vento levou algumas folhas pra os pés dela, e as espalhou no terreno santo.    Ela escabelou mais uma vez.   Vou chama-la de Mariquinha, só pra ter referência.    
    Você sabe quantas Mariquinhas tem neste planeta, de vida dura, corpo surrado e espírito que sangra?    Mas ela percebeu o vento espalhar as folhas sobre as varias cruzes. Ali é tudo terra, pedaço de chão dos indigentes, dos mais pobres.    E notou as folhas, imagino que ela pensou:
- Todos esquecidos ais, como o meu querido.    Então ela notou as folhas.    Abriu do feixe de flores, não eram muitas, mas eram lindas, talvez as mais lindas que já vi regadas pelas lágrimas de Mariquinha.   E foi colocando uma a cada cruz, no espaço que talvez ela achasse que poderia ser do teu ente querido.  E foi colocando uma a uma, em cada cruz.   Depois esperou o vento calar-se e colocou e ascendeu às velas, uma a uma, em cada cruz.       E ela sentou no chão, e chorou.   Logo veio outra senhorinha, com um menino pela mão, sem flores eu percebi, sem velas também. 
          A senhorinha e o menino notaram a flor bonita onde esta teu ente.   E ela sorriu e beijou o menino, ali tinha uma flor, e esta senhorinha por referencia digo que é Maria.  E talvez Maria estivesse agradecendo agora a Deus pela flor e pela luz.   E o vento tocou o menino, e chorando ele sorriu.       E o vento talvez viesse dizer agora:
   - Filho, obrigado pela flor. Mariquinha então notou que o menino e Maria ficaram felizes, e Mariquinha percebeu o vento de Deus soprar. 
Mariquinha então da tristeza ouviu o vento que dizia:
   - Dei a ti teu filho, que conduziu pra meus braços, quando lia a bíblia na cabeceira da tua cama, quando ensinou a ir pelo evangelho e hoje habita comigo na casa do meu Pai.
       Penso e quero sentir que foi isso que presenciei, quando notei Mariquinha abrindo os braços pra o céu.


Markus de Libra